A parábola que o Evangelho nos traz [Lc 16,19-31] não visa tratar sobre a caridade ou a falta dela, não diz que o rico negava esmolas a Lázaro. Talvez, até ignorasse a presença dele junto de sua casa, fechado como estava em seu bem-estar, o qual não lhe permitia perceber problemas alheios. Pode ser até que pensasse, como, às vezes, dizem por aí: “Cada um por si e Deus por todos”.
Jesus quer chamar a atenção não somente para a necessidade de amarmos o próximo, mas para a importância das situações. Uma condição de poder e prazer pode insensibilizar a mente, tornando-a indiferente às necessidades dos outros; pode fechar a porta do céu – tirando a fome da vida eterna – se a pessoa já se julga satisfeita com seus bens.
A riqueza honesta não é má nem condenável, assim como a pobreza não é garantia de salvação. Mas ambas suscitam atitudes éticas que podem facilitar ou dificultar a procura por Deus. É para isto que Jesus quer despertar os cristãos nesta parábola.
A situação cômoda em que se encontram os ricos pode diminuir o zelo pelas necessidades dos pobres e excluídos da nossa sociedade.
Jesus chama os pobres – aqueles que choram, têm fome e sede – de bem-aventurados; não por causa da pobreza como tal, mas pela atitude ética da fé e do amor ao próximo que essa pobreza preserva ou suscita. E chama os ricos de infelizes (Lc 6,24-26), não por causa da riqueza como tal, mas porque esta pode fazer “murchar” a fé e o senso da vida futura.
O rico morreu sem fome física e espiritual, por isso nada mais esperava encontrar na eternidade, satisfeito que estava em seu bem-estar terreno. Já Lázaro, que teve fome física e doenças, tinha esperança de uma realidade melhor do que a vida terrestre. No além, a fome material e espiritual de Lázaro foi saciada, ao passo que, no rico, ela não existia.
Alguém pode ser rico, mas ter um coração de pobre por cultivar o desapego, a humildade e a caridade. Assim como alguém pode ser pobre, mas ter um coração de rico, ou seja, sem caridade nem humildade. Lázaro era pobre na terra. Abraão era rico. Mas ambos tiveram a mesma sorte final, porque, em circunstâncias diferentes, tiveram o mesmo amor a Deus e o mesmo desprendimento dos bens terrenos.
A parábola nos lembra de que o céu e o inferno começam no nosso dia a dia, pois nele não nos faltam fatos, acontecimentos nem coisas diárias que sejam objetos de santificação. A fé descobre, na vida diária, sinais de Deus, pois não vivemos de milagres, mas do dia a dia. É nele que devemos encontrar a vida de santificação. Muitos procuram sinais e milagres, mas dizem que, se o Senhor se fizesse “mais sensível” e lhes desse um sinal, seriam mais fervorosos. Isso é pura ilusão, meu irmão! Quem não tem fé nos dons cotidianos do Senhor encontrará razões falsas para não reconhecer os Seus milagres.
Abraão diz ao homem rico que quem não tem a fé viva rejeitará os sinais mais significativos. Na verdade, Lázaro – irmão de Marta e Maria – e o próprio Jesus haviam de ressuscitar dentre os mortos e aparecer aos judeus, mas nem assim estes se deixaram convencer.
Abraão diz existir um grande abismo entre o céu e o inferno. Ele fala que apenas na vida terrestre podemos nos converter. O tempo da conversão é hoje e agora. A morte nos estabelece uma condição definitiva: o céu para sempre ou o inferno para sempre.
Esta parábola nos leva a concluir que, quando nós deixarmos este mundo, receberemos uma sentença. Veja que Lázaro foi levado ao “seio de Abraão” e o rico aos tormentos do inferno. Isso pressupõe uma sentença de Deus logo após a nossa morte, e essa é definitiva, pois o mau não pode passar para o lugar do justo nem vice-versa. Eu já fiz a minha opção: quero ir para o “seio de Abraão”. E você? Para onde quer ir?
Padre Bantu Mendonça
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