Na hora de desespero, alguém se aproxima e começa a caminhar com os dois discípulos [que estavam a caminho de Emaús]. Uma simples pergunta do novo companheiro os faz parar: “Que ides conversando pelo caminho?”.
Diante dessa pergunta, “eles pararam, com o rosto triste, e um deles chamado Cléofas, lhe disse: ‘Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?’”. E, logo, os dois discípulos aproveitam para partilhar a dor, a saudade, a frustração. Corriam notícias sobre o túmulo vazio e a aparição de anjos. Mesmo assim, continuam inconsoláveis e reclamam: “A ele, porém, ninguém o viu”.
“Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram!” Que voz é esta? Os dois a conhecem. Soa-lhes tão familiar! Embora os olhos permaneçam vedados e a razão obscurecida, o coração se abre, dilata-se e começa a arder no peito. “Ninguém jamais falou como esse homem!”, responderam até os guardas, tempos atrás encarregados de prender Jesus. Nem esses homens rudes conseguiram resistir às Suas palavras! As multidões ficaram extasiadas com o Seu ensinamento, porque as ensinava com autoridade.
Toda experiência do convívio com o Mestre, nos anos que passaram junto d’Ele, emerge do fundo da alma, vem, de repente, à tona enquanto o companheiro de viagem explica as passagens da Escritura, evocando Moisés e os profetas. Sua fala, pelo caminho, alivia a dor, derrete a saudade, afoga o desânimo. Não querem deixá-lo ir adiante quando chegam ao destino.
“Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” É como se dissessem: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!”. A solidão machuca. Ficar novamente só fará reaparecer a tristeza e a dor. “Fica conosco!” é o pedido insistente, dirigido a quem ainda não reconhecem. No fundo do coração, porém, já experimentam a alegria que tantas vezes sentiam quando o Mestre lhes falava.
“Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” O companheiro do caminho para Emaús não abandonou os discípulos, “Jesus entrou para ficar com eles. Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía” (Lc 24,29-30). E na fração do pão acontece o milagre da Páscoa: os dois reconhecem o Mestre. Veem as mãos perfuradas e aquele inigualável semblante do Filho de Deus. Mas, ao mesmo tempo, Ele“desapareceu da frente deles” (Lc 24,31).
Ficou o pão partido e uma taça de vinho partilhada. Ficaram as palavras que fizeram arder os corações. Ficou a inebriante alegria em que Ele transformou o desespero dos discípulos. Agora, não é mais necessário ver Jesus com os olhos do corpo. Com a experiência que tiveram em Emaús, os discípulos se encarregarão de anunciá-Lo e testemunhá-Lo pelo mundo afora.
Nos momentos difíceis, grite como os discípulos: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!”.
O Mestre desaparece da vista deles, mas ficou em seus corações. “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” A experiência é tão extraordinária que os discípulos precisam levar a notícia, naquela mesma noite, a Jerusalém.
No momento em que Jesus parte o pão, os discípulos de Emaús se tornam missionários, mensageiros da Boa Nova: “Na mesma hora eles se levantaram e voltaram para Jerusalém… e contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus quando ele partiu o pão”. Ao distanciarem-se da comunidade, caminharam para Emaús à luz do dia, mas havia escuridão por dentro. Depois que o Mestre se revelou, atravessam a escuridão da noite, sem medo de tropeçar, porque o coração pulsa de alegria, cheiaode luz. Há um novo olhar, uma nova motivação, uma nova luz no horizonte!
A missão nasce sempre de um encontro com Jesus vivo, com o Cristo pascal. Os Evangelhos não terminam na Sexta-feira Santa, com o Cristo morto e sepultado. O grande e retumbante final da sinfonia é a esplêndida aurora da Páscoa, aquele deslumbrante primeiro dia da semana: o Cristo ressuscitado, vivo, vencedor da morte, o triunfo do bem sobre o mal, a vitória da graça sobre o pecado, a alegria do amor e da paz contra as tramas diabólicas do ódio e da guerra. “Realmente, o Senhor ressuscitou!”, proclamam os onze, reunidos com os outros em Jerusalém.
Celebramos a real presença desse Deus conosco na Eucaristia, memória do mistério pascal, mistério da cruz e ressurreição, mistério da redenção e reconciliação que inicia a Nova Aliança. Em cada Eucaristia olhamos para Deus, celebramos Sua presença, Sua encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição.
Da ação de graças, da doação gratuita do Cordeiro de Deus, emerge a energia missionária da Eucaristia. Ela é a ponte para o ministério apostólico, é a Nova Aliança que pressupõe reconciliação, unidade na diversidade, solidariedade até as últimas consequências.
Ao partir do pão, eles O reconhecem e retornam ao Caminho. Nossa fé é o encontro pascal com o Senhor Jesus. É a certeza de que Ele está vivo. Nossa fé é pascal e pessoal. Não se trata apenas de crer em alguma coisa, pois a profissão fundamental é: “Eu creio em Ti, Senhor! E por isso me comprometo e me torno evangelizador”.
Evangelizar, ser missionário, é irradiar “o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida, porque a Vida manifestou-se”. Sejam quais forem nossas fraquezas, misérias, limitações, o que contagia todas as culturas, o que convence todos os povos e raças, é o testemunho da alegria e da graça de termos encontrado o Senhor Ressuscitado. Tudo isso é graças à força do pão partido de Emaús, é o vigor do fruto da videira no cálice da Nova Aliança, é o Corpo entregue e o Sangue derramado de Jesus, morto e ressuscitado.
Padre Bantu Mendonça
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