A semente que germina e cresce por si mesma exprime a ação de Deus que comunica amor e vida a todos, suplantando os poderosos deste mundo que semeiam a fome e a morte. A segunda parábola, da inexpressiva semente que se transforma em uma árvore acolhedora dos pássaros, exprime que a fé dos discípulos, desprezível diante do mundo, pode gerar o mundo novo de fraternidade e paz. A prática e o ensinamento de Jesus são caminho e luz.
Marcos mostra Jesus como Mestre do Reino ensinando às multidões desde a barca de Pedro (4,1). Seu ensinamento é na base de parábolas ou exemplos. A parábola é uma narração que sob o aspecto de uma comparação, está destinada a ilustrar o sentido de um ensino religioso. Quando todos os detalhes têm um sentido e significado real, a parábola se transforma em alegoria. Como em Jo 10,1-16, no caso do Bom Pastor.
No Antigo Testamento, as parábolas são escassas, um exemplo é 2 Sm 12, 1-4 em que Natã dá a conhecer seu crime a Davi. Porém, no Novo Testamento, Jesus usa frequentemente as parábolas – especialmente como parte de seu ensinamento sobre o Reino dos Céus – para iluminar certos aspectos do mesmo.
No dia de hoje temos duas pequenas parábolas, a primeira própria de Marcos e a segunda compartilhada por Mateus (13, 21) e Lucas (13, 18). Na parábola da semente, Jesus indica que o Reino tem uma força intrínseca que independe dos trabalhadores. Na segunda parábola que o Reino, “minúsculo” no tempo de Jesus, expandir-se-á de modo a se estender pelo mundo inteiro. Vejamos versículo por versículo as palavras de Jesus.
“E dizia: assim é o Reino do Deus, como se um homem lançasse a semente sobre a terra”(v. 26). Que significa “Reino de Deus”? No Antigo Testamento, Javé, o Deus de Israel, era o verdadeiro Rei e seu Reino abrangia todo o Universo. Os juízes eram praticamente os seus representantes. Por isso, o seu profeta Samuel, último juiz, escutou estas palavras: “Não é a ti que te rejeitam, mas a mim, porque não querem mais que eu reine sobre eles” (I Sm 8, 7). A partir de Davi o Reino de Deus tem como representante um rei humano, mas a experiência terminou em fracasso, e o Reino de Deus acabou por ser um reino futuro, escatológico e transcendente, como sendo Deus mesmo o que seria ou escolheria o novo rei. Esse Reino está chegando e tem seu representante na pessoa de Jesus e dos apóstolos. Nada tem de material ou geográfico, e é formado pelos que aceitam Jesus como Senhor, Caminho, Verdade e Vida. Por isso, dirá Jesus que o Reino está dentro de vocês. A Igreja fundada por Jesus é a parte visível desse Reino, que não é como os do mundo, mas tem sua base em servir e não em ser servido (Lc 22, 27). O oposto do amor – que é serviço no Reino – é o amor ao dinheiro (Mt 6, 24), de modo que podemos afirmar que o dinheiro é o verdadeiro deus deste mundo. A primeira comparação que revela como atua o Reino é esta parábola de Jesus, facilmente entendida como tipo, e que finalmente veremos como protótipo nas observações.
“E durma e se levante noite e dia; e a semente germine e cresça de um modo que ele não tem conhecido” (v. 27). É importante unir este versículo ao anterior para obter o sentido completo da parábola. O agricultor faz sua vida independente e a semente nasce e cresce sem ter nada que ver com o agricultor, fora o fato de ser semeada por ele no início. Deste modo, Paulo pode afirmar: “Eu plantei, Apolo regou; mas era Deus quem fazia crescer. Aquele que planta nada é; aquele que rega nada é; mas importa somente Deus, que dá o crescimento” (1 Cor 3, 6-7). Assim, a continuação dirá Jesus: “Pois por si mesma a terra frutifica primeiramente a erva, depois a espiga, depois o trigo pleno na espiga” (v. 28).
“Quando porém, tiver aparecido o fruto, rapidamente ele envia a foice porque tem aparecido a ceifa” (v. 29). Não há nada a comentar a não ser o trabalho do agricultor. Vemos como este trabalho se reduz a semear e ceifar. A terra e a semente fazem o resto.
“E dizia: a que compararíamos o Reino do Deus , ou em que parábola o assemelharíamos?”(v. 30). Parece que Jesus medita antes de afirmar ou escolhe uma comparação apropriada. Seu estilo é de chamar a atenção dos ouvintes, um simples recurso oratório que indica por outra parte uma memória viva dos ouvintes e não uma posterior reconstrução. É possível que estas palavras formem parte do método de ensino de Jesus.
“Como com a semente da mostarda, a qual quando sendo semeada na terra é a menor de todas as sementes sobre a terra” (v. 31). A mostarda é uma planta da família da couve ou repolho, de grandes folhas, flores amarelas e pequenas sementes, que tem duas espécies principais: branca e preta. A branca chega até atingir 1,2 m de altura e a preta pode chegar até 3m e 4 m de altura. A preta é comum nas margens do lago de Tiberíades e seu tronco se torna lenhoso. Por isso, os árabes falam de “árvores” de mostarda. Esta variedade só cresce ao longo do lago e nas margens do Jordão. Os pintassilgos, gulosos de suas sementes, chegam em bandos para pousar nos seus galhos e comer os grãos. As sementes não são as menores entre as conhecidas, mas parece que eram modelo, na época, de coisas insignificantes.
A mais comum é a branca (não tão ardente como a preta), precisamente por sua maior facilidade em recolher os frutos. “E quando está semeada surge e se torna maior do que todas as hortaliças e produz galhos grandes de modo que podem, sob sua sombra, as aves do céu habitar” (v. 32).
“E com muitas parábolas semelhantes falava a eles a palavra do modo que podiam ouvir”(v. 33). Os discípulos tinham ocasião de saber o significado verdadeiro das comparações, por vezes não muito claras para o ouvinte em geral. O caso mais evidente é o do semeador e os diversos terrenos em que a semente cai. O público em geral podia ficar com a ideia de que a semente da Palavra era recebida de formas mui diversas pelos ouvintes, mas a razão destas diferenças só era explicada aos que, interessados, perguntaram junto aos Doze pela explicação da mesma (Mc 4, 13-20). O encontro com a Palavra é um dom de Deus, mas a resposta à mesma depende da vontade e do interesse de cada um. A explicação correspondente sempre a receberá quem esteja interessado em saber a verdade.
Na primeira destas parábolas de hoje temos a exposição de como o Reino se expande com uma força que não depende dos homens, mas do próprio Deus. Poderíamos dizer que descreve a força interna do Reino.
Na segunda parábola encontramos a visão externa do Reino. Seu crescimento seria espetacular desde um pequeno grupo insignificante – como é a semente da mostarda que se parece com a cabeça de um alfinete – até uma árvore que nada tem a invejar outras grandes árvores da Palestina.
Uma certeza é evidente: o Reino é uma realidade que não se pode ignorar. Em que consiste? Jesus não revela sua essência, mas devido ao nome estamos inclinados a afirmar que o Reino como nova instituição é uma irrupção da presença de Deus na história humana, que seria uma revolução e uma conquista, não violenta mas interior do homem, e que deveria mudar a religião em primeiro lugar e as relações sociais em segundo termo.
Numa época em que revoluções externas e lutas pelo poder estavam unidas a uma teocracia religiosa era perigoso anunciar a natureza verdadeira do Reino. Daí que só as externas qualidades do Reino tenham sido descritas e de modo a não levantar reações violentas. O Reino sofrerá violências mas não será o violentador (Mt 11, 12).
Padre Bantu Mendonça
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